segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

AS BARREIRAS INVISÍVEIS - PARTE IV - POLÍTICA OCULTA DE PREÇOS MÍNIMOS

Conforme vimos até agora, são vários os mecanismos de controle do comércio exterior e proteção do mercado interno, alguns legais e transparentes, outros nem tanto.

Uma das práticas mais perversas e frontalmente contra os princípios da OMC é o estabelecimento de preços mínimos para o registro de produtos importados, sem qualquer embasamento legal.

Para melhor esclarecer o que vamos abordar nesse item, analisaremos um caso concreto, ocorrido no decorrer do ano de 2006. Não tivemos autorização para divulgar nomes, por isso vamos nos ater aos fatos tão somente.

Um importador de Vitória (ES) fechou a compra de 3 contentores com capas plásticas para mídias de CD e DVD. O negócio foi fechado em uma feira de materiais escolares, promovida por entidades privadas, porém com o apoio do Governo do Estado de São Paulo.

De posse da proforma invoice, o importador autorizou o embarque da mercadoria, consultando as eventuais restrições para a importação do produto na época, não necessitando de licença prévia de importação ou qualquer outra exigência prévia ao embarque.

Ocorre que, logo após o embarque, o Governo publicou no sítio do Ministério do Desenvolvimento a inclusão do produto importado no rol dos que passaram a ter em necessidade de licença prévia ao embarque.

Ainda que o importador já tivesse fechado o negócio na vigência da norma mais liberal, as regras de importação valem para o momento da chegada da mercadoria, sendo essa discussão inócua, uma vez que desconhecemos casos em que seja reconhecido o direito do importador finalizar seu processo com base nas regras do momento do fechamento do negócio, o que seria mais razoável do ponto de vista da segurança jurídica e do princípio da certeza do direito.

Mesmo com o embarque irregular, haja vista a não obtenção de licença prévia, o importador manteve-se tranqüilo porque, segundo a legislação vigente, o embarque sem licença prévia da referida mercadoria acarretaria apenas uma multa no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), valor este que, apesar de relativamente alto, passível de ser absorvido pela margem da operação.

Diferente se fosse o caso de mercadoria proibida ou com outros impedimentos a sua nacionalização, que, neste caso, seria perdida ou devolvida para o exterior, com boa sorte.

Entretanto, ao solicitar a licença de importação, necessária ainda que posterior ao embarque porque seria exigida de qualquer forma pela fiscalização quando da chegada da mercadoria, o órgão concedente – no caso, o DECEX – Departamento de Comércio Exterior, do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio – manteve por várias semanas no sistema apenas a informação “EM EXIGÊNCIA”, sem qualquer outra menção ou detalhe.

Ao provocar o órgão para que este se manifestasse a respeito da Licença de Importação requerida, o importador recebeu a informação de que para a sua concessão era necessária a prova do “preço real” pactuado entre as partes.

Sendo assim, o importador apresentou, via processo administrativo, diversos documentos que comprovavam a veracidade do preço declarado, tais como pesquisa de mercado, fatura comercial consularizada, lista de preço do importador, dentre outros.

Ainda assim, o órgão se manteve inerte, não concedendo a licença, nem tampouco alterando a mensagem no sistema, ainda “EM EXIGÊNCIA”.

Desesperado ante as despesas que começavam a ocorrer, uma vez que nesse ínterim a mercadoria já havia chegado, o importador buscou a tutela do judiciário através de Mandado de Segurança, não logrando êxito, em nossa opinião, pelo desconhecimento geral da matéria e o cada vez mais notado receio generalizado dos magistrados em julgar contra o Estado, por diversos motivos.

Ante a derrota no judiciário, com a mercadoria parada em zona portuária com altíssimos custos de armazenagem, o importador buscou resolver o problema diretamente com o órgão anuente, e acabou por se ver obrigado a declarar o preço de US$ 0,10 por unidade, quando na verdade adquiriu a mercadoria por US$ 0,04.

Esse ajuste de preço decorreu de uma conversa telefônica entre o importador e servidor do DECEX, que “em off” informou que aquela mercadoria só seria licenciada se o preço fosse pelo menos US$ 0,10 a unidade, ou 150% maior do que o preço real comprado.

Dentre diversas alegações do DECEX em sua defesa, fora alegado que os chineses utilizavam matéria prima reciclada em seus produtos, tendo assim um custo industrial menor que os fabricantes brasileiros e por isso causando uma concorrência “desleal” com o fabricante nacional, que só utiliza matéria prima virgem!

Desse caso extraímos várias impossibilidades e absurdos jurídicos, as quais o magistrado de primeira instância infelizmente não enxergou, ou não quis, enxergar:

- A inserção da mercadoria no rol das mercadorias excluídas do licenciamento automático se deu por mera publicação em sítio eletrônico, sem qualquer provimento de cunho jurídico, obrigando aos importadores a consultarem todos os dias as decisões administrativas, sem qualquer aviso prévio: supondo que o sítio seja consultado em uma determinada segunda-feira, não havendo restrições a um eventual embarque, este é logo autorizado; a mercadoria embarca na madrugada da terça-feira, e neste mesmo dia passa a ser exigida a licença prévia para a sua importação...sem maiores exercícios de probabilidades, foi exatamente o que ocorreu com o importador retro mencionado.

- O preço artificialmente aviltado implica, na prática, na majoração dos impostos a serem pagos, ou seja, no aumento disfarçado de alíquotas de todos os impostos decorrentes da importação, notadamente, do imposto de importação, que tem acompanhamento e controle da OMS e seus acordos;

- Obrigar ao importador ao aumento de 150% no preço real do produto importado significa aumentar o imposto de importação, por exemplo, de 20%, para 50% - ou seja, para o observador no estrangeiro, nosso imposto é de 20%, enquanto internamente, no caso concreto, se pratica a alíquota de 50%.

Perguntado ao servidor do DECEX, por meio de uma conversa ao telefone, porque o Governo agia dessa forma, este simplesmente respondeu que “processos de salvaguardas, anti-dumping e outros são complexos e demorados e podem por isso acabar por prejudicar os interesses da indústria nacional, por isso a opção de “travar” as licenças com a exigência de preços mínimos...”.

Enfim, para “proteger” os interesses da indústria nacional, o consumidor brasileiro se vê forçado a usar capas de DVD de matéria virgem, caras e não ecológicas, ao invés de pagar mais barato pelo produto chinês, produzido com matéria prima reciclada....uma inversão de valores e uma visão míope e torta do que seja “proteção”.

“Proteger”, a nosso ver, é reduzir a carga tributária, uma das mais altas do mundo; é criar mecanismos de incentivo ao uso de matérias primas alternativas (recicladas, por que não?); é incentivar a modernização e uso de novas tecnologias; “proteger” é reduzir os encargos sociais e o tamanho do Estado; é premiar a produção, não o capital especulativo. A esse conjunto de providências e a essa necessária mudança de rumo poderíamos chamar de “proteção”.

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