sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

AS BARREIRAS INVISÍVEIS - PARTE VI - As operações “por conta e ordem” e “por encomenda”

A Secretaria da Receita Federal reconhece oficialmente a existência de duas formas de terceirização das importações: a importação “por conta e ordem de terceiros” e a importação “por encomenda”. Tais “modalidades”, segundo a Receita, servem para melhor controle e identificação dos reais intervenientes em uma importação, segundo extraído do sítio eletrônico da SRF:

"Cada vez mais e por diversos motivos, as organizações vêm optando por focar-se no objeto principal do seu próprio negócio (atividades-fim) e por terceirizar as atividades-meio do seu empreendimento.
Essa tendência ocorre também no comércio exterior, quando, por exemplo, uma ou mais atividades relacionadas à execução e gerenciamento dos aspectos operacionais, logísticos, burocráticos, financeiros, tributários, entre outros, da importação de mercadorias são transferidas a um especialista.
Atualmente, duas formas de terceirização das operações de comércio exterior são reconhecidas e regulamentadas pela Secretaria da Receita Federal (SRF),
a importação por conta e ordem e a importação por encomenda.
Para que sejam consideradas regulares, tanto a prestação de serviços de importação realizada por uma empresa por conta e ordem de uma outra – chamada adquirente – quanto a importação promovida por pessoa jurídica importadora para revenda a uma outra – dita encomendante predeterminada – devem atender a determinadas condições previstas na legislação.
A escolha entre importar mercadoria estrangeira por conta própria ou por meio de um intermediário contratado para esse fim é livre e perfeitamente legal, seja esse intermediário um prestador de serviço ou um revendedor. Entretanto, tanto o importador quanto o adquirente ou encomendante, conforme o caso, devem observar o tratamento tributário específico dessas operações e alguns cuidados especiais, a fim de que não sejam surpreendidos pela fiscalização da SRF e sejam autuados ou, até mesmo, que as mercadorias sejam apreendidas.
Assim, a empresa que se decidir por terceirizar algumas ou todas as suas operações de comércio exterior deve estar atenta não só às diferenças de custo entre a importação por conta e ordem e por encomenda, mas também aos diferentes efeitos e obrigações tributárias a que estão sujeitas essas duas situações, não só na esfera federal, mas também no âmbito estadual (RECEITA, acesso em 14 de set.2008)."


A importação “por conta e ordem de terceiros”, de acordo com as informações do sítio da Receita, é um serviço prestado por uma empresa – a importadora – a qual promove, em seu nome, o despacho aduaneiro de importação de mercadorias adquiridas por outra empresa – a adquirente – em razão de contrato previamente firmado, que pode compreender ainda a prestação de outros serviços relacionados com a transação comercial, como a realização de cotação de preços e a intermediação comercial (art. 1º da IN SRF nº. 225/02 e art. 12, § 1°, I, da IN SRF nº. 247/02).

Assim, na importação “por conta e ordem”, embora a atuação da empresa importadora possa abranger desde a simples execução do despacho de importação até a intermediação da negociação no exterior, contratação do transporte, seguro, entre outros, o importador de fato é a adquirente, a mandante da importação, aquela que efetivamente faz vir a mercadoria de outro país, em razão da compra internacional; embora, nesse caso, o faça por via de interposta pessoa – a importadora por conta e ordem –, que é uma mera mandatária da adquirente.

Em última análise, é a adquirente que pactua a compra internacional e dispõe de capacidade econômica para o pagamento, pela via cambial, da importação. Entretanto, diferentemente do que ocorre na importação “por encomenda”, a operação cambial para pagamento de uma importação por conta e ordem pode ser realizada em nome da importadora ou da adquirente, conforme estabelece o Regulamento do Mercado de Câmbio e Capitais Internacionais (RMCCI – Título 1, Capítulo 12, Seção 2) do Banco Central do Brasil (Bacen).

Dessa forma, mesmo que a importadora por conta e ordem efetue os pagamentos ao fornecedor estrangeiro, antecipados ou não, não se caracteriza uma operação por sua conta própria, mas, sim, entre o exportador estrangeiro e a empresa adquirente, pois dela se originam os recursos financeiros.

Ainda segundo o endereço eletrônico da SRF, a importação “por encomenda” é aquela em que uma empresa adquire mercadorias no exterior com recursos próprios e promove o seu despacho aduaneiro de importação, a fim de revendê-las, posteriormente, a uma empresa encomendante previamente determinada, em razão de contrato entre a importadora e a encomendante, cujo objeto deve compreender, pelo menos, o prazo ou as operações pactuadas (art. 2º, § 1º, I, da IN SRF nº. 634/06).

Assim, como na importação por encomenda o importador adquire a mercadoria junto ao exportador no exterior, providencia sua nacionalização e a revende ao encomendante, tal operação tem, para o importador contratado, os mesmos efeitos fiscais de uma importação própria.

Em última análise, em que pese a obrigação do importador de revender as mercadorias importadas ao encomendante predeterminado, é aquele e não este que pactua a compra internacional e deve dispor de capacidade econômica para o pagamento da importação, pela via cambial. Da mesma forma, o encomendante também deve ter capacidade econômica para adquirir, no mercado interno, as mercadorias revendidas pelo importador contratado.

Ressalte-se ainda que, diferentemente da importação por conta e ordem, no caso da importação por encomenda, a operação cambial para pagamento da importação deve ser realizada exclusivamente em nome do importador, conforme determina o Regulamento do Mercado de Câmbio e Capitais Internacionais (RMCCI – Título 1, Capítulo 12, Seção 2) do Banco Central do Brasil (Bacen).

Outro efeito importante desse tipo de operação é que, conforme determina o artigo 14 da Lei nº. 11.281, de 2006, aplicam-se ao importador e ao encomendante as regras de preço de transferência de que tratam os artigos 18 a 24 da Lei nº. 9.430, de 1996. Em outras palavras, se o exportador estrangeiro, nos termos dos artigos 23 e 24 dessa lei, estiver domiciliado em país ou dependência com tributação favorecida e/ou for vinculado com o importador ou o encomendante, as regras de “preço de transferência” [1] para a apuração do imposto sobre a renda deverão ser observadas.

A Secretaria da Receita Federal buscou, com essa regulamentação, evitar a intermediação fraudulenta de empresas, que visavam ocultar o verdadeiro importador, em regra, com problemas com o fisco. Ocorre que tal regulamentação, que se iniciou pela modalidade “por conta e ordem”, acabou por travar as operações de trading, que são justamente o motor que alavanca o comércio exterior dos países desenvolvidos, como o Japão, a Coréia do Sul, os Estados Unidos, dentre outros.

A função maior da trading é justamente facilitar a importação e a exportação de produtos de empresas que não tem o aparato tecnológico ou humano para desenvolverem suas operações de comércio exterior, e hoje uma simples padaria que queira importar ou exportar, mesmo que por meio de uma trading, deve se submeter às regras do RADAR e a todas as outras instituídas no âmbito da SRF por meio de instruções normativas que, conforme já demonstramos, fazem às vezes de leis.

Seja “por conta e ordem”, seja “por encomenda”, em regra, exige-se de um “botequim” os mesmos documentos e capacitação fiscal e econômica para se operar em comércio exterior que se é exigida de uma multinacional, tudo em nome da identificação do real adquirente das mercadorias importadas, o que poderia ser feito, por exemplo, com a simples menção do número do CNPJ do encomendante ou adquirente na Declaração de Importação da trading.

O legislador chega ao cúmulo de equiparar o encomendante, qualquer que seja, ao estabelecimento industrial, obrigando-o a escrituração do IPI, seja este uma padaria, armarinho ou uma simples mercearia do interior.

Vejamos o que diz o art. 13 da Lei 11.281/06, que instituiu a figura do encomendante na importação: “Art. 13. Equiparam-se a estabelecimento industrial os estabelecimentos, atacadistas ou varejistas (grifo nosso), que adquirirem produtos de procedência estrangeira, importados por encomenda ou por sua conta e ordem, por intermédio de pessoa jurídica importadora.”.

Cumpre ressaltar que, no caso do adquirente – figura da importação “por conta e ordem” - já havia previsão legal de equiparação ao estabelecimento industrial, a Lei 11.281/06 apenas confirmou a previsão anterior, afim de que não restassem dúvidas.

Ora, a figura do encomendante, que supostamente foi instituída para facilitar as operações de comércio exterior por meio da terceirização, não cumpriu seu papel, haja vista a necessidade do registro do encomendante no “RADAR”, ainda que na modalidade simplificada, a equiparação ao estabelecimento industrial, assim como o importador (trading), dentre outros motivos.

Dessa forma, toda a regulamentação a respeito da terceirização das importações somente serviu como mais um entrave, mais uma “barreira invisível” de nosso comércio exterior, aos olhos dos estrangeiros e dos brasileiros em geral.

Não se permite apenas encomendar uma mercadoria do exterior para uma trading: é necessário que seja feito um contrato entre as partes. Tal contrato deve ser “vinculado” na Alfândega, um procedimento que demora semanas e até meses e que poderia ser efetuado pelos próprios interessados no SISCOMEX. Não se permitem antecipações em dinheiro, pelo encomendante para a trading, como se antecipar parte do pagamento fosse um ilícito civil:

"Art. 11. A importação promovida por pessoa jurídica importadora que adquire mercadorias no exterior para revenda a encomendante predeterminado não configura importação por conta e ordem de terceiros.
§ 1o A Secretaria da Receita Federal:
I - estabelecerá os requisitos e condições para a atuação de pessoa jurídica importadora na forma do caput deste artigo; e
II - poderá exigir prestação de garantia como condição para a entrega de mercadorias quando o valor das importações for incompatível com o capital social ou o patrimônio líquido do importador ou do encomendante.
§ 2o A operação de comércio exterior realizada em desacordo com os requisitos e condições estabelecidos na forma do § 1o deste artigo presume-se por conta e ordem de terceiros, para fins de aplicação do disposto nos
arts. 77 a 81 da Medida Provisória no 2.158-35, de 24 de agosto de 2001.
§ 3o Considera-se promovida na forma do caput deste artigo a importação realizada com recursos próprios da pessoa jurídica importadora (grifo nosso), participando ou não o encomendante das operações comerciais relativas à aquisição dos produtos no exterior."

Ou seja, segundo a SRF, o encomendante que antecipar recursos para o importador irá “descaracterizar” a operação de encomenda, podendo ensejar fiscalização especial da Aduana para ambos. Somente na modalidade “por conta e ordem” admite-se a antecipação de recursos, por vezes, necessários e viabilizadores do negócio que se pretende estabelecer.

[1] O termo "preço de transferência" significa o preço praticado na compra e venda (transferência) de bens, direitos e serviços entre partes relacionadas (pessoas vinculadas). Em razão das circunstâncias peculiares existentes nas operações realizadas entre empresas vinculadas, esse preço pode ser artificialmente estipulado e, conseqüentemente, divergir do preço de mercado negociado por empresas independentes, em condições análogas - preço com base no princípio arm’s length (“a distância de um braço”, princípio consectário do princípio da igualdade, que consiste em tratar as empresa vinculadas como se independente fossem).

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