quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

AS BARREIRAS INVISÍVEIS - PARTE V - A INSTRUÇÃO NORMATIVA SRF 228/02

Além do estreito “funil” que é o “RADAR”, as empresas que atuam em comércio exterior ainda podem se submeter à outra situação que em regra acarreta o encerramento de suas atividades: a temida Instrução Normativa 228, que “nasceu” da regulamentação de um artigo de uma medida provisória (art. 80 da MP 2.158-35/01).

O referido artigo dispõe que a Secretaria da Receita Federal pode exigir a prestação de garantia como condição de entrega de mercadorias importadas, quando o valor das importações for incompatível com o capital social ou o patrimônio líquido do adquirente (importador).

Com fundamentação legal no artigo retro, a SRF editou a IN 228/02, que nada mais é que um “procedimento especial de fiscalização” instituído por um Auditor Fiscal contra empresas que revelem “indícios de incompatibilidade entre os volumes transacionados no comércio exterior e a capacidade econômica e financeira evidenciada”.

O procedimento de fiscalização não é objetivamente detalhado na Instrução Normativa, porém, na prática, sabemos que consiste na solicitação e análise de documentação da empresa (alvará de funcionamento, contas de telefones, balanços, comprovante de endereço dos sócios etc.), todos com a finalidade de verificar que as atividades desenvolvidas são “lícitas” e que a empresa realmente “existe”.

Eis o que diz Luiz Fernando Bretas Marzagão, Advogado especialista em comércio exterior, em artigo publicado no sítio Jus Navigandi, em abril de 2004:

[...] Contudo, basta que se inicie tal Procedimento Investigativo em determinada empresa para que toda e qualquer mercadoria por ela importada passe a ficar "travada" nas alfândegas.

Enquanto o “procedimento especial de fiscalização” durar (o que pode levar até 6 meses, conforme prazo estabelecido pela instrução normativa), a liberação da mercadoria somente ocorrerá mediante a apresentação de garantia em igual valor ao da importação realizada, o que é totalmente incompatível com a dinâmica comercial (importação, com pagamento a prazo, para revenda, que também será paga a prazo), além de configurar indevida restrição aos bens da empresa (sem observância do devido processo legal).

Na prática, ocorre que a imensa maioria das empresas não conseguem apresentar tais garantias, haja vista o fato de que os importadores não necessariamente dispõe de recursos no momento da liberação das mercadorias para prestar garantias em valor equivalente ao da importação.

Nestes casos, segundo o brilhante artigo de Marzagão, a prestação jurisdicional deve ser buscada, tendo em vista os seguintes argumentos:

- Inconstitucionalidade da exigência da garantia: a constituição assegura que ninguém será privado de seus bens sem o devido processo legal (art. 5o, LIV). O procedimento especial de fiscalização da IN SRF 228/02 não é devido processo legal (não oferece possibilidade de contraditório e ampla defesa) e, por isso, não pode, sozinho, privar o importador de seus bens;

- Ilegalidade da IN SRF 228/02: a instrução normativa exige a prestação de garantias em situações não previstas na Lei (MP 2.158-35/01), transbordando os limites do Princípio da Legalidade, ao qual a administração pública está adstrita;

- Ausência de razoabilidade no valor da garantia: não se pode exigir uma garantia de valor igual ao da importação, sob pena de se inviabilizar a atividade comercial do importador.

Ressalta ainda Marzagão que, em mandado de segurança impetrado perante a Justiça Federal de Uruguaiana, RS, apesar de sentença denegatória da segurança em primeira instância, o Tribunal Regional Federal da 4a. Região acolheu os argumentos de ilegalidade da referida IN e de excesso da garantia exigida, dando provimento a recurso de apelação, para liberar a sociedade empresária da prestação de garantia nas importações, enquanto durar o “procedimento especial de fiscalização”.

No recurso de apelação, subscrito por Marzagão, a empresa alegou que:

[...] o artigo 68 da MP 2.158-35 permite à Secretaria da Receita Federal reter mercadorias quando houver "indícios de infração punível com a pena de perdimento." Acontece que o artigo 80 da mesma MP delimitou as hipóteses em que pode ser exigida garantia para liberação de mercadorias, quais sejam: "Art. 80, II - exigir prestação de garantia como condição para a entrega de mercadorias, quando o valor das importações for incompatível com o capital social ou o patrimônio líquido do importador ou do adquirente." (Marzagão, 2004)

Já o artigo 7o da IN SRF 228/02 impõe a prestação da garantia até que se provem outras situações não previstas na MP supracitada, como, por exemplo, a prova da "origem lícita, a disponibilidade e a efetiva transferência, se for o caso, dos recursos necessários à prática das operações, bem assim a condição de real adquirente ou vendedor".

Não é preciso mais que a leitura dos dois dispositivos para se concluir que a IN SRF 228/02 está ferindo o Princípio da Legalidade, inscrito no artigo 5o., II, e art. 37 da CF, porque exige a prestação de garantia diante de situações não previstas em Lei.

Quanto ao artigo 68 da MP 2.158-35/01, por ser norma restritiva do direito de propriedade, não pode ser interpretado de maneira ampliativa, permitindo-se à Secretaria da Receita Federal exigir a prestação de garantia em qualquer situação que entenda haver indícios da prática de infração punível com pena de perdimento.

Avançando ainda mais no tema, afirma Marzagão que “esse tipo de interpretação permite (...) que seja exigida a prestação de garantia diante de situações que... assim são consideradas só porque existe uma Instrução Normativa dispondo dessa maneira... uma coisa é instaurar procedimento especial de fiscalização porque se suspeita de indícios da prática de infrações puníveis com pena de perdimento; outra coisa, bem diferente, é, em função da instauração desse procedimento administrativo, mas antes de sua conclusão, reter-se mercadorias e exigir-se garantias com fundamento não nas hipóteses previstas na lei, mas nas mesmas hipóteses que fundamentaram a instauração do próprio procedimento especial de fiscalização, mas cuja existência não é certa, por estar o procedimento inacabado. (Marzagão, 2004)"

O referido acórdão foi ementado da seguinte forma:

"MANDADO DE SEGURANÇA. LIBERAÇÃO DE MERCADORIA. IN/SRF Nº 228/02. EXIGÊNCIA DE GARANTIA. 1. A Instrução Normativa nº 228/02 extrapolou o comando contido na Medida Provisória nº 2158, que apenas autoriza a exigência de garantia como condição para entrega das mercadorias quando o valor das importações for incompatível com o capital social ou o patrimônio líquido do importador ou do adquirente. 2. Caso em que, sendo a exigência de garantia superior ao valor das mercadorias, assemelha-se ao confisco." (Processo 2003.71.03.000851-1, TRF 4a. Região).

A decisão representa um importante precedente para todas as empresas que estão sob o procedimento especial de fiscalização e não podem, apenas em virtude disso, ter livre acesso aos bens importados.

2 comentários:

  1. Uma empresa com problema de fraude (contrabando)em um determinado porto, entrou na IN 228/02, pode liberar carga em outro porto, sem prestar a garantia, mesmo já estando com a carga em perdimento?

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  2. Existe alguma outra legislação que reduza a garantia da IN 228/02

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