terça-feira, 23 de dezembro de 2008

OS 10 MANDAMENTOS DO IMPORTADOR HABITUAL

1. Planeje suas ações. Um projeto de importação não se faz em meses, mas em pelo menos em um par de anos. Não espere ganhos rápidos, mas trabalhe para ganhos certos, regulares e seguros, ainda que pequenos. Considere que 1% de lucro REAL é um excelente resultado.
2. Leve em conta de que, em regra, é necessário manter um estoque equivalente a previsão de venda de 90 até 180 dias, conforme o produto e as circunstâncias de mercado.
3. Não menospreze a fiscalização. Se algo estiver errado, é muito provável que você terá problemas.
4. Tente se inteirar das normas de comércio exterior da melhor forma que puder. Faça cursos e participe de simpósios, palestras e seminários, sempre que possível.
5. Não corrompa nem se deixe corromper.
6. Contrate os melhores profissionais. Um BOM profissional vale por pelo menos cinco medianos e dez medíocres. Um EXCELENTE profissional pode ser a chave do seu sucesso.
7. Utilize o Poder Judiciário sempre que os seus direitos forem aviltados, mas somente neste caso. Não use o Judiciário para convalidar atos ilícitos, para "ganhar" tempo ou confundir a fiscalização; porém, é ao Judiciário a quem devemos recorrer para coibir os abusos da fiscalização e das normas infra legais. Resista aos apelos dos corruptos para relevar normas que sequer deveriam existir, em troca de favores ou dinheiro. Brigue pelos meios legais: dessa forma, a Justiça acabará por se fazer, mesmo que algum dinheiro seja perdido - e não será perdido, totalmente, o dinheiro que agracia o corrupto?
8. Invista em tecnologia. Bons softwares e hardwares economizam tempo e dinheiro, e tempo é dinheiro...
9. Lembre-se que IMPORTADOR equivale a FABRICANTE. É de sua inteira responsabilidade a colocação do produto no mercado, ainda que solidária com outros intervenientes.
10. E, por fima, não confie só no seu "taco". Sempre que possível, contrate uma boa consultoria e seja humilde, sempre. Por mais que saibamos, ou tenhamos recursos, ou amigos, sempre haverá alguém que saiba mais, tenha mais dinheiro e mais amigos do que nós.

Não incide IPI e ICMS nas importações realizadas por pessoa física

(por nosso colaborador Augusto Fauvel de Moraes - Advogado do Escritório Fauvel & Esquelino Advogados augusto@fauvelesquelino.com.br)

Primeiramente cumpre destacar que a legislação vigente prevê a possibilidade de habilitação de pessoa física junto à Receita Federal, para fins de importação.

Referida habilitação é na modalidade simplificada, que deverá ser pleiteada por requerimento apresentado à unidade da Receita Federal onde será efetuado o respectivo despacho, conforme prevê a IN SRF 455 e IN SRF 650.

Ocorre que na importação incidem os seguintes impostos: Imposto de Importação II, PIS/COFINS, IPI, ICMS, Adicional de frete para Marinha Mercante AFMM.

Igualmente, no que tange a incidência de IPI e ICMS é pacífico o entendimento que quando se trata de importação realizada por pessoa física destinada a uso próprio, NÃO incide IPI e ICMS.

Como pode ser verificado, o IPI e o ICMS tem como fato imponível o seu desembaraço aduaneiro, quando de procedência estrangeira.Ocorre, que em face ao principio da não-cumulatividade, a pessoa física contribuinte não realiza qualquer atividade que lhe proporcione a utilização do crédito acumulado do referido tributo nas operações de importação, já que o bem é destinado a uso próprio.

O Supremo Tribunal Federal STF inclusive já firmou entendimento no sentido de que, em razão do princípio da não-cumulatividade, aqueles que não são contribuintes do ICMS e IPI, NÃO devem ser compelidos ao recolhimento desses tributos quando da importação de bens ao exterior.

Portanto, todo o contribuinte pessoa física que realizou importações e já recolheu o IPI e ICMS poderá requerer a repetição do indébito e os que ainda forem realizar as importações, deverão pleitear a não incidência do IPI e ICMS, sempre que a importação for realizada por pessoa física e destinada a uso próprio. Com isso terão uma boa redução nos custos da importação.

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

RESQUÍCIOS DO REGIME

Você sabia que um decreto de 1966 (eu nem havia nascido...) estipula uma espécie de "produtividade" para o Fiscal que multa o importador, revertendo parte do valor da multa para ele próprio? Eis o que ordena o art. 115 do DL 37/66 (vigente, apesar da "idade"):

"Art.115 - Ao funcionário que houver apontado a infração serão adjudicados 40% (quarenta por cento) da multa aplicada..."

E ainda:

"§ 1º - Quando a infração for apurada mediante denúncia, metade da quota-parte atribuída aos funcionários caberá ao denunciante."

Exceção apenas para as multas previstas nos seguintes casos:

a) apresentação de fatura comercial sem o visto consular, quando exigida essa formalidade;

b) comprovação, fora do prazo, da chegada da mercadoria no destino, nos casos de reexportação e trânsito;

c)contêiner ou qualquer veículo contendo mercadoria, inclusive a granel, ingressado em local ou recinto sob controle aduaneiro, que não seja localizado.

Tal previsão legal é no mínimo temerária e provoca distorções na atividade fiscalizadora, tendo em vista a subjetividade de algumas situações passíveis de multa (alguém sabe definir objetivamente o que seja, por exemplo, "embaraço a fiscalização"?). Como a ninguém cumpre se beneficiar da própria torpeza, esses dispositivos deveriam ser banidos de nossa legislação, afim de se evitar a famigerada "indústria de multas", que em regra são recolhidas por um simples motivo: ou se paga, ou nada de mercadoria (pelo menos enquanto não se recorre ao judiciário...)coisas do nosso Brasil!?

domingo, 14 de dezembro de 2008

AS BARREIRAS INVISÍVEIS - CONCLUSÃO

Maior transparência nas relações entre os organismos de controle do comércio exterior e as empresas, desoneração das importações aliada a uma fiscalização mais efetiva, porém mais honesta, justa e transparente, facilitação do acesso das pequenas empresas ao comércio externo, respeito às regras e acordos da OMC, dentre outras medidas, podem ser as soluções para a inexpressiva participação brasileira no cenário internacional.

De imediato, o simples respeito às normas existentes, em especial pelos agentes fiscalizadores e arrecadadores, já poderiam marcar o início de uma grande mudança. O Brasil não pode continuar na lista dos países com maior desigualdade social, maior corrupção, maior burocracia, maior carga tributária... esses índices tem uma forte conexão entre si e são, na verdade, os verdadeiros motivos de também sermos um dos países mais violentos do mundo. Também estamos no rol dos que não prestam boa assistência à saúde, a educação, enfim, pagamos muitos e caros impostos, porém tudo se perde no inchaço estatal, na má administração pública, no empreguismo, no incentivo à inércia e a especulação.

Em suma, pretendemos levantar a bandeira do comércio exterior como um dos pilares de nosso desenvolvimento, até mesmo porque desconhecemos países desenvolvidos, cuja população esteja bem assistida e amparada (e não sustentada) pelo Estado, em que o comércio exterior não seja exatamente o que defendemos: a base de uma economia sólida, uma sociedade fraterna e justa, onde todos tenham orgulho de dizer: nós somos BRASILEIROS.

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

AS BARREIRAS INVISÍVEIS - PARTE VII - Postura dos órgãos e agentes de fiscalização

Nesse capítulo, talvez o mais polêmico de nosso trabalho, reservamos espaço para uma crítica e abordagem de fatos que talvez sejam a raiz de todos os males de nosso comércio exterior, quiçá, de nosso País.

O brasileiro tem o hábito de reclamar da inércia e desonestidade de seus políticos, empresários, juízes, fiscais da Receita Federal e da Alfândega, enfim, de toda sorte de servidores públicos, de todas as esferas administrativas e do poder. Ocorre que nos esquecemos esses cargos e funções são preenchidos por nós, brasileiros, como aqueles que hoje reclamam.

O líder comunitário de hoje será o nosso político corrupto de amanhã. O acadêmico frustrado, sem perspectiva no mercado privado de trabalho, massacrado por notícias de violência e corrupção, será o Fiscal arrogante e violador dos princípios e regras do direito, o Juiz moroso e imbuído da certeza de estar acima de tudo e de todos, ao exercer a função que lhe foi confiada pelo Estado, portanto, pela sociedade que este representa.

Nesse panorama se apresentam um bom número de TTN’s e AFTN’s, responsáveis pelo controle, acompanhamento e liberação dos processos de importação e exportação.

É certo que existem inúmeras e honrosas exceções, porém grassa o mau atendimento e o pensamento de que "trabalham demais e recebem pouco".... ainda se considerarmos que, em regra, os ganhos de um fiscal estão muito acima (várias vezes acima, há de se ressaltar) do que paga a iniciativa privada, por exemplo, a um bom gerente.

Tal como um grande número de servidores do judiciário, alguns Auditores Fiscais não respeitam horários e prazos, não possuem uma hierarquia clara e definida, e só limitam seus atos impróprios por receio de estarem sendo, eles próprios, fiscalizados em alguma dessas dezenas de operações burlescas de nossa Polícia Federal.

Enfim, seja por despreparo técnico, falta ou insuficiência de qualificação profissional e treinamento, seja por falta de qualificação humana, com a conscientização da fiscalização de que nem todos somos bandidos ou agimos na intenção de burlar a lei, é premente uma mudança de mentalidade e de postura de alguns desses servidores.

Cobertos pelo manto da impunidade, da falta de hierarquia, da necessária e indiscutível “vinculação” de seus atos administrativos, tais servidores desprezam os princípios mais basilares do direito, quais sejam, da razoabilidade, da proporcionalidade, da legalidade, da eficiência, impondo aos contribuintes situações vexatórias e prejuízos por vezes insuportáveis.

Essa mudança de postura poderia se iniciar com a simples lembrança de que é a iniciativa privada que gera recursos para a manutenção da máquina estatal, e mesmo essa simples constatação parece não integrar os conhecimentos mínimos e necessários para o exercício do múnus público com ética, justiça e modernidade.

AS BARREIRAS INVISÍVEIS - PARTE VI - As operações “por conta e ordem” e “por encomenda”

A Secretaria da Receita Federal reconhece oficialmente a existência de duas formas de terceirização das importações: a importação “por conta e ordem de terceiros” e a importação “por encomenda”. Tais “modalidades”, segundo a Receita, servem para melhor controle e identificação dos reais intervenientes em uma importação, segundo extraído do sítio eletrônico da SRF:

"Cada vez mais e por diversos motivos, as organizações vêm optando por focar-se no objeto principal do seu próprio negócio (atividades-fim) e por terceirizar as atividades-meio do seu empreendimento.
Essa tendência ocorre também no comércio exterior, quando, por exemplo, uma ou mais atividades relacionadas à execução e gerenciamento dos aspectos operacionais, logísticos, burocráticos, financeiros, tributários, entre outros, da importação de mercadorias são transferidas a um especialista.
Atualmente, duas formas de terceirização das operações de comércio exterior são reconhecidas e regulamentadas pela Secretaria da Receita Federal (SRF),
a importação por conta e ordem e a importação por encomenda.
Para que sejam consideradas regulares, tanto a prestação de serviços de importação realizada por uma empresa por conta e ordem de uma outra – chamada adquirente – quanto a importação promovida por pessoa jurídica importadora para revenda a uma outra – dita encomendante predeterminada – devem atender a determinadas condições previstas na legislação.
A escolha entre importar mercadoria estrangeira por conta própria ou por meio de um intermediário contratado para esse fim é livre e perfeitamente legal, seja esse intermediário um prestador de serviço ou um revendedor. Entretanto, tanto o importador quanto o adquirente ou encomendante, conforme o caso, devem observar o tratamento tributário específico dessas operações e alguns cuidados especiais, a fim de que não sejam surpreendidos pela fiscalização da SRF e sejam autuados ou, até mesmo, que as mercadorias sejam apreendidas.
Assim, a empresa que se decidir por terceirizar algumas ou todas as suas operações de comércio exterior deve estar atenta não só às diferenças de custo entre a importação por conta e ordem e por encomenda, mas também aos diferentes efeitos e obrigações tributárias a que estão sujeitas essas duas situações, não só na esfera federal, mas também no âmbito estadual (RECEITA, acesso em 14 de set.2008)."


A importação “por conta e ordem de terceiros”, de acordo com as informações do sítio da Receita, é um serviço prestado por uma empresa – a importadora – a qual promove, em seu nome, o despacho aduaneiro de importação de mercadorias adquiridas por outra empresa – a adquirente – em razão de contrato previamente firmado, que pode compreender ainda a prestação de outros serviços relacionados com a transação comercial, como a realização de cotação de preços e a intermediação comercial (art. 1º da IN SRF nº. 225/02 e art. 12, § 1°, I, da IN SRF nº. 247/02).

Assim, na importação “por conta e ordem”, embora a atuação da empresa importadora possa abranger desde a simples execução do despacho de importação até a intermediação da negociação no exterior, contratação do transporte, seguro, entre outros, o importador de fato é a adquirente, a mandante da importação, aquela que efetivamente faz vir a mercadoria de outro país, em razão da compra internacional; embora, nesse caso, o faça por via de interposta pessoa – a importadora por conta e ordem –, que é uma mera mandatária da adquirente.

Em última análise, é a adquirente que pactua a compra internacional e dispõe de capacidade econômica para o pagamento, pela via cambial, da importação. Entretanto, diferentemente do que ocorre na importação “por encomenda”, a operação cambial para pagamento de uma importação por conta e ordem pode ser realizada em nome da importadora ou da adquirente, conforme estabelece o Regulamento do Mercado de Câmbio e Capitais Internacionais (RMCCI – Título 1, Capítulo 12, Seção 2) do Banco Central do Brasil (Bacen).

Dessa forma, mesmo que a importadora por conta e ordem efetue os pagamentos ao fornecedor estrangeiro, antecipados ou não, não se caracteriza uma operação por sua conta própria, mas, sim, entre o exportador estrangeiro e a empresa adquirente, pois dela se originam os recursos financeiros.

Ainda segundo o endereço eletrônico da SRF, a importação “por encomenda” é aquela em que uma empresa adquire mercadorias no exterior com recursos próprios e promove o seu despacho aduaneiro de importação, a fim de revendê-las, posteriormente, a uma empresa encomendante previamente determinada, em razão de contrato entre a importadora e a encomendante, cujo objeto deve compreender, pelo menos, o prazo ou as operações pactuadas (art. 2º, § 1º, I, da IN SRF nº. 634/06).

Assim, como na importação por encomenda o importador adquire a mercadoria junto ao exportador no exterior, providencia sua nacionalização e a revende ao encomendante, tal operação tem, para o importador contratado, os mesmos efeitos fiscais de uma importação própria.

Em última análise, em que pese a obrigação do importador de revender as mercadorias importadas ao encomendante predeterminado, é aquele e não este que pactua a compra internacional e deve dispor de capacidade econômica para o pagamento da importação, pela via cambial. Da mesma forma, o encomendante também deve ter capacidade econômica para adquirir, no mercado interno, as mercadorias revendidas pelo importador contratado.

Ressalte-se ainda que, diferentemente da importação por conta e ordem, no caso da importação por encomenda, a operação cambial para pagamento da importação deve ser realizada exclusivamente em nome do importador, conforme determina o Regulamento do Mercado de Câmbio e Capitais Internacionais (RMCCI – Título 1, Capítulo 12, Seção 2) do Banco Central do Brasil (Bacen).

Outro efeito importante desse tipo de operação é que, conforme determina o artigo 14 da Lei nº. 11.281, de 2006, aplicam-se ao importador e ao encomendante as regras de preço de transferência de que tratam os artigos 18 a 24 da Lei nº. 9.430, de 1996. Em outras palavras, se o exportador estrangeiro, nos termos dos artigos 23 e 24 dessa lei, estiver domiciliado em país ou dependência com tributação favorecida e/ou for vinculado com o importador ou o encomendante, as regras de “preço de transferência” [1] para a apuração do imposto sobre a renda deverão ser observadas.

A Secretaria da Receita Federal buscou, com essa regulamentação, evitar a intermediação fraudulenta de empresas, que visavam ocultar o verdadeiro importador, em regra, com problemas com o fisco. Ocorre que tal regulamentação, que se iniciou pela modalidade “por conta e ordem”, acabou por travar as operações de trading, que são justamente o motor que alavanca o comércio exterior dos países desenvolvidos, como o Japão, a Coréia do Sul, os Estados Unidos, dentre outros.

A função maior da trading é justamente facilitar a importação e a exportação de produtos de empresas que não tem o aparato tecnológico ou humano para desenvolverem suas operações de comércio exterior, e hoje uma simples padaria que queira importar ou exportar, mesmo que por meio de uma trading, deve se submeter às regras do RADAR e a todas as outras instituídas no âmbito da SRF por meio de instruções normativas que, conforme já demonstramos, fazem às vezes de leis.

Seja “por conta e ordem”, seja “por encomenda”, em regra, exige-se de um “botequim” os mesmos documentos e capacitação fiscal e econômica para se operar em comércio exterior que se é exigida de uma multinacional, tudo em nome da identificação do real adquirente das mercadorias importadas, o que poderia ser feito, por exemplo, com a simples menção do número do CNPJ do encomendante ou adquirente na Declaração de Importação da trading.

O legislador chega ao cúmulo de equiparar o encomendante, qualquer que seja, ao estabelecimento industrial, obrigando-o a escrituração do IPI, seja este uma padaria, armarinho ou uma simples mercearia do interior.

Vejamos o que diz o art. 13 da Lei 11.281/06, que instituiu a figura do encomendante na importação: “Art. 13. Equiparam-se a estabelecimento industrial os estabelecimentos, atacadistas ou varejistas (grifo nosso), que adquirirem produtos de procedência estrangeira, importados por encomenda ou por sua conta e ordem, por intermédio de pessoa jurídica importadora.”.

Cumpre ressaltar que, no caso do adquirente – figura da importação “por conta e ordem” - já havia previsão legal de equiparação ao estabelecimento industrial, a Lei 11.281/06 apenas confirmou a previsão anterior, afim de que não restassem dúvidas.

Ora, a figura do encomendante, que supostamente foi instituída para facilitar as operações de comércio exterior por meio da terceirização, não cumpriu seu papel, haja vista a necessidade do registro do encomendante no “RADAR”, ainda que na modalidade simplificada, a equiparação ao estabelecimento industrial, assim como o importador (trading), dentre outros motivos.

Dessa forma, toda a regulamentação a respeito da terceirização das importações somente serviu como mais um entrave, mais uma “barreira invisível” de nosso comércio exterior, aos olhos dos estrangeiros e dos brasileiros em geral.

Não se permite apenas encomendar uma mercadoria do exterior para uma trading: é necessário que seja feito um contrato entre as partes. Tal contrato deve ser “vinculado” na Alfândega, um procedimento que demora semanas e até meses e que poderia ser efetuado pelos próprios interessados no SISCOMEX. Não se permitem antecipações em dinheiro, pelo encomendante para a trading, como se antecipar parte do pagamento fosse um ilícito civil:

"Art. 11. A importação promovida por pessoa jurídica importadora que adquire mercadorias no exterior para revenda a encomendante predeterminado não configura importação por conta e ordem de terceiros.
§ 1o A Secretaria da Receita Federal:
I - estabelecerá os requisitos e condições para a atuação de pessoa jurídica importadora na forma do caput deste artigo; e
II - poderá exigir prestação de garantia como condição para a entrega de mercadorias quando o valor das importações for incompatível com o capital social ou o patrimônio líquido do importador ou do encomendante.
§ 2o A operação de comércio exterior realizada em desacordo com os requisitos e condições estabelecidos na forma do § 1o deste artigo presume-se por conta e ordem de terceiros, para fins de aplicação do disposto nos
arts. 77 a 81 da Medida Provisória no 2.158-35, de 24 de agosto de 2001.
§ 3o Considera-se promovida na forma do caput deste artigo a importação realizada com recursos próprios da pessoa jurídica importadora (grifo nosso), participando ou não o encomendante das operações comerciais relativas à aquisição dos produtos no exterior."

Ou seja, segundo a SRF, o encomendante que antecipar recursos para o importador irá “descaracterizar” a operação de encomenda, podendo ensejar fiscalização especial da Aduana para ambos. Somente na modalidade “por conta e ordem” admite-se a antecipação de recursos, por vezes, necessários e viabilizadores do negócio que se pretende estabelecer.

[1] O termo "preço de transferência" significa o preço praticado na compra e venda (transferência) de bens, direitos e serviços entre partes relacionadas (pessoas vinculadas). Em razão das circunstâncias peculiares existentes nas operações realizadas entre empresas vinculadas, esse preço pode ser artificialmente estipulado e, conseqüentemente, divergir do preço de mercado negociado por empresas independentes, em condições análogas - preço com base no princípio arm’s length (“a distância de um braço”, princípio consectário do princípio da igualdade, que consiste em tratar as empresa vinculadas como se independente fossem).

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

AS BARREIRAS INVISÍVEIS - PARTE V - A INSTRUÇÃO NORMATIVA SRF 228/02

Além do estreito “funil” que é o “RADAR”, as empresas que atuam em comércio exterior ainda podem se submeter à outra situação que em regra acarreta o encerramento de suas atividades: a temida Instrução Normativa 228, que “nasceu” da regulamentação de um artigo de uma medida provisória (art. 80 da MP 2.158-35/01).

O referido artigo dispõe que a Secretaria da Receita Federal pode exigir a prestação de garantia como condição de entrega de mercadorias importadas, quando o valor das importações for incompatível com o capital social ou o patrimônio líquido do adquirente (importador).

Com fundamentação legal no artigo retro, a SRF editou a IN 228/02, que nada mais é que um “procedimento especial de fiscalização” instituído por um Auditor Fiscal contra empresas que revelem “indícios de incompatibilidade entre os volumes transacionados no comércio exterior e a capacidade econômica e financeira evidenciada”.

O procedimento de fiscalização não é objetivamente detalhado na Instrução Normativa, porém, na prática, sabemos que consiste na solicitação e análise de documentação da empresa (alvará de funcionamento, contas de telefones, balanços, comprovante de endereço dos sócios etc.), todos com a finalidade de verificar que as atividades desenvolvidas são “lícitas” e que a empresa realmente “existe”.

Eis o que diz Luiz Fernando Bretas Marzagão, Advogado especialista em comércio exterior, em artigo publicado no sítio Jus Navigandi, em abril de 2004:

[...] Contudo, basta que se inicie tal Procedimento Investigativo em determinada empresa para que toda e qualquer mercadoria por ela importada passe a ficar "travada" nas alfândegas.

Enquanto o “procedimento especial de fiscalização” durar (o que pode levar até 6 meses, conforme prazo estabelecido pela instrução normativa), a liberação da mercadoria somente ocorrerá mediante a apresentação de garantia em igual valor ao da importação realizada, o que é totalmente incompatível com a dinâmica comercial (importação, com pagamento a prazo, para revenda, que também será paga a prazo), além de configurar indevida restrição aos bens da empresa (sem observância do devido processo legal).

Na prática, ocorre que a imensa maioria das empresas não conseguem apresentar tais garantias, haja vista o fato de que os importadores não necessariamente dispõe de recursos no momento da liberação das mercadorias para prestar garantias em valor equivalente ao da importação.

Nestes casos, segundo o brilhante artigo de Marzagão, a prestação jurisdicional deve ser buscada, tendo em vista os seguintes argumentos:

- Inconstitucionalidade da exigência da garantia: a constituição assegura que ninguém será privado de seus bens sem o devido processo legal (art. 5o, LIV). O procedimento especial de fiscalização da IN SRF 228/02 não é devido processo legal (não oferece possibilidade de contraditório e ampla defesa) e, por isso, não pode, sozinho, privar o importador de seus bens;

- Ilegalidade da IN SRF 228/02: a instrução normativa exige a prestação de garantias em situações não previstas na Lei (MP 2.158-35/01), transbordando os limites do Princípio da Legalidade, ao qual a administração pública está adstrita;

- Ausência de razoabilidade no valor da garantia: não se pode exigir uma garantia de valor igual ao da importação, sob pena de se inviabilizar a atividade comercial do importador.

Ressalta ainda Marzagão que, em mandado de segurança impetrado perante a Justiça Federal de Uruguaiana, RS, apesar de sentença denegatória da segurança em primeira instância, o Tribunal Regional Federal da 4a. Região acolheu os argumentos de ilegalidade da referida IN e de excesso da garantia exigida, dando provimento a recurso de apelação, para liberar a sociedade empresária da prestação de garantia nas importações, enquanto durar o “procedimento especial de fiscalização”.

No recurso de apelação, subscrito por Marzagão, a empresa alegou que:

[...] o artigo 68 da MP 2.158-35 permite à Secretaria da Receita Federal reter mercadorias quando houver "indícios de infração punível com a pena de perdimento." Acontece que o artigo 80 da mesma MP delimitou as hipóteses em que pode ser exigida garantia para liberação de mercadorias, quais sejam: "Art. 80, II - exigir prestação de garantia como condição para a entrega de mercadorias, quando o valor das importações for incompatível com o capital social ou o patrimônio líquido do importador ou do adquirente." (Marzagão, 2004)

Já o artigo 7o da IN SRF 228/02 impõe a prestação da garantia até que se provem outras situações não previstas na MP supracitada, como, por exemplo, a prova da "origem lícita, a disponibilidade e a efetiva transferência, se for o caso, dos recursos necessários à prática das operações, bem assim a condição de real adquirente ou vendedor".

Não é preciso mais que a leitura dos dois dispositivos para se concluir que a IN SRF 228/02 está ferindo o Princípio da Legalidade, inscrito no artigo 5o., II, e art. 37 da CF, porque exige a prestação de garantia diante de situações não previstas em Lei.

Quanto ao artigo 68 da MP 2.158-35/01, por ser norma restritiva do direito de propriedade, não pode ser interpretado de maneira ampliativa, permitindo-se à Secretaria da Receita Federal exigir a prestação de garantia em qualquer situação que entenda haver indícios da prática de infração punível com pena de perdimento.

Avançando ainda mais no tema, afirma Marzagão que “esse tipo de interpretação permite (...) que seja exigida a prestação de garantia diante de situações que... assim são consideradas só porque existe uma Instrução Normativa dispondo dessa maneira... uma coisa é instaurar procedimento especial de fiscalização porque se suspeita de indícios da prática de infrações puníveis com pena de perdimento; outra coisa, bem diferente, é, em função da instauração desse procedimento administrativo, mas antes de sua conclusão, reter-se mercadorias e exigir-se garantias com fundamento não nas hipóteses previstas na lei, mas nas mesmas hipóteses que fundamentaram a instauração do próprio procedimento especial de fiscalização, mas cuja existência não é certa, por estar o procedimento inacabado. (Marzagão, 2004)"

O referido acórdão foi ementado da seguinte forma:

"MANDADO DE SEGURANÇA. LIBERAÇÃO DE MERCADORIA. IN/SRF Nº 228/02. EXIGÊNCIA DE GARANTIA. 1. A Instrução Normativa nº 228/02 extrapolou o comando contido na Medida Provisória nº 2158, que apenas autoriza a exigência de garantia como condição para entrega das mercadorias quando o valor das importações for incompatível com o capital social ou o patrimônio líquido do importador ou do adquirente. 2. Caso em que, sendo a exigência de garantia superior ao valor das mercadorias, assemelha-se ao confisco." (Processo 2003.71.03.000851-1, TRF 4a. Região).

A decisão representa um importante precedente para todas as empresas que estão sob o procedimento especial de fiscalização e não podem, apenas em virtude disso, ter livre acesso aos bens importados.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

AS BARREIRAS INVISÍVEIS - PARTE IV - POLÍTICA OCULTA DE PREÇOS MÍNIMOS

Conforme vimos até agora, são vários os mecanismos de controle do comércio exterior e proteção do mercado interno, alguns legais e transparentes, outros nem tanto.

Uma das práticas mais perversas e frontalmente contra os princípios da OMC é o estabelecimento de preços mínimos para o registro de produtos importados, sem qualquer embasamento legal.

Para melhor esclarecer o que vamos abordar nesse item, analisaremos um caso concreto, ocorrido no decorrer do ano de 2006. Não tivemos autorização para divulgar nomes, por isso vamos nos ater aos fatos tão somente.

Um importador de Vitória (ES) fechou a compra de 3 contentores com capas plásticas para mídias de CD e DVD. O negócio foi fechado em uma feira de materiais escolares, promovida por entidades privadas, porém com o apoio do Governo do Estado de São Paulo.

De posse da proforma invoice, o importador autorizou o embarque da mercadoria, consultando as eventuais restrições para a importação do produto na época, não necessitando de licença prévia de importação ou qualquer outra exigência prévia ao embarque.

Ocorre que, logo após o embarque, o Governo publicou no sítio do Ministério do Desenvolvimento a inclusão do produto importado no rol dos que passaram a ter em necessidade de licença prévia ao embarque.

Ainda que o importador já tivesse fechado o negócio na vigência da norma mais liberal, as regras de importação valem para o momento da chegada da mercadoria, sendo essa discussão inócua, uma vez que desconhecemos casos em que seja reconhecido o direito do importador finalizar seu processo com base nas regras do momento do fechamento do negócio, o que seria mais razoável do ponto de vista da segurança jurídica e do princípio da certeza do direito.

Mesmo com o embarque irregular, haja vista a não obtenção de licença prévia, o importador manteve-se tranqüilo porque, segundo a legislação vigente, o embarque sem licença prévia da referida mercadoria acarretaria apenas uma multa no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), valor este que, apesar de relativamente alto, passível de ser absorvido pela margem da operação.

Diferente se fosse o caso de mercadoria proibida ou com outros impedimentos a sua nacionalização, que, neste caso, seria perdida ou devolvida para o exterior, com boa sorte.

Entretanto, ao solicitar a licença de importação, necessária ainda que posterior ao embarque porque seria exigida de qualquer forma pela fiscalização quando da chegada da mercadoria, o órgão concedente – no caso, o DECEX – Departamento de Comércio Exterior, do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio – manteve por várias semanas no sistema apenas a informação “EM EXIGÊNCIA”, sem qualquer outra menção ou detalhe.

Ao provocar o órgão para que este se manifestasse a respeito da Licença de Importação requerida, o importador recebeu a informação de que para a sua concessão era necessária a prova do “preço real” pactuado entre as partes.

Sendo assim, o importador apresentou, via processo administrativo, diversos documentos que comprovavam a veracidade do preço declarado, tais como pesquisa de mercado, fatura comercial consularizada, lista de preço do importador, dentre outros.

Ainda assim, o órgão se manteve inerte, não concedendo a licença, nem tampouco alterando a mensagem no sistema, ainda “EM EXIGÊNCIA”.

Desesperado ante as despesas que começavam a ocorrer, uma vez que nesse ínterim a mercadoria já havia chegado, o importador buscou a tutela do judiciário através de Mandado de Segurança, não logrando êxito, em nossa opinião, pelo desconhecimento geral da matéria e o cada vez mais notado receio generalizado dos magistrados em julgar contra o Estado, por diversos motivos.

Ante a derrota no judiciário, com a mercadoria parada em zona portuária com altíssimos custos de armazenagem, o importador buscou resolver o problema diretamente com o órgão anuente, e acabou por se ver obrigado a declarar o preço de US$ 0,10 por unidade, quando na verdade adquiriu a mercadoria por US$ 0,04.

Esse ajuste de preço decorreu de uma conversa telefônica entre o importador e servidor do DECEX, que “em off” informou que aquela mercadoria só seria licenciada se o preço fosse pelo menos US$ 0,10 a unidade, ou 150% maior do que o preço real comprado.

Dentre diversas alegações do DECEX em sua defesa, fora alegado que os chineses utilizavam matéria prima reciclada em seus produtos, tendo assim um custo industrial menor que os fabricantes brasileiros e por isso causando uma concorrência “desleal” com o fabricante nacional, que só utiliza matéria prima virgem!

Desse caso extraímos várias impossibilidades e absurdos jurídicos, as quais o magistrado de primeira instância infelizmente não enxergou, ou não quis, enxergar:

- A inserção da mercadoria no rol das mercadorias excluídas do licenciamento automático se deu por mera publicação em sítio eletrônico, sem qualquer provimento de cunho jurídico, obrigando aos importadores a consultarem todos os dias as decisões administrativas, sem qualquer aviso prévio: supondo que o sítio seja consultado em uma determinada segunda-feira, não havendo restrições a um eventual embarque, este é logo autorizado; a mercadoria embarca na madrugada da terça-feira, e neste mesmo dia passa a ser exigida a licença prévia para a sua importação...sem maiores exercícios de probabilidades, foi exatamente o que ocorreu com o importador retro mencionado.

- O preço artificialmente aviltado implica, na prática, na majoração dos impostos a serem pagos, ou seja, no aumento disfarçado de alíquotas de todos os impostos decorrentes da importação, notadamente, do imposto de importação, que tem acompanhamento e controle da OMS e seus acordos;

- Obrigar ao importador ao aumento de 150% no preço real do produto importado significa aumentar o imposto de importação, por exemplo, de 20%, para 50% - ou seja, para o observador no estrangeiro, nosso imposto é de 20%, enquanto internamente, no caso concreto, se pratica a alíquota de 50%.

Perguntado ao servidor do DECEX, por meio de uma conversa ao telefone, porque o Governo agia dessa forma, este simplesmente respondeu que “processos de salvaguardas, anti-dumping e outros são complexos e demorados e podem por isso acabar por prejudicar os interesses da indústria nacional, por isso a opção de “travar” as licenças com a exigência de preços mínimos...”.

Enfim, para “proteger” os interesses da indústria nacional, o consumidor brasileiro se vê forçado a usar capas de DVD de matéria virgem, caras e não ecológicas, ao invés de pagar mais barato pelo produto chinês, produzido com matéria prima reciclada....uma inversão de valores e uma visão míope e torta do que seja “proteção”.

“Proteger”, a nosso ver, é reduzir a carga tributária, uma das mais altas do mundo; é criar mecanismos de incentivo ao uso de matérias primas alternativas (recicladas, por que não?); é incentivar a modernização e uso de novas tecnologias; “proteger” é reduzir os encargos sociais e o tamanho do Estado; é premiar a produção, não o capital especulativo. A esse conjunto de providências e a essa necessária mudança de rumo poderíamos chamar de “proteção”.