segunda-feira, 29 de agosto de 2011

DATA VENIA, SUSO NÃO!

O texto abaixo merece ser divulgado e que todos reflitam na sua mensagem...


Texto confeccionado por Armando José Farah, Advogado em Porto Alegre no RS e Professor Universitário (armando@adv-escritorio.com.br)


Recente entrevista na televisão, sobre a linguagem jurídica, me animou a concluir este comentário, que estava esboçado, há vários meses, no computador, pois sempre considerei indispensável expressar as idéias com clareza e pelo modo mais preciso possível. Nesse sentido, o magistério universitário aumentou tal interesse, em face do notório descuido e/ou despreparo dos estudantes em relação a este tema, importante para o estudo e o bom desempenho profissional. Costumo insistir que se deve professar intenso e genuíno culto pela palavra falada e escrita, principalmente na área jurídica.

Não me refiro, é claro, à fala pedante, ao estilo gongórico, à escrita confusa ou profusa, nem à linguagem esotérica ou mirabolante. Penso que, embora haja abundância de bebidas artificiais, a água pura e simples continua sendo a melhor para a fisiologia do corpo...

Pois bem, salvo honrosas exceções, a boa linguagem rareia nos bancos acadêmicos e também nos trabalhos forenses. As narrativas são pobres ou rebarbativas, acabando por influenciar e contaminar, às vezes, as próprias sentenças. Cria-se, então, o meio ambiente xaroposo, onde viceja a terminologia pretensamente técnica, ou a linguagem hermética que complica a compreensão dos fatos e das teses, aspectos imprescindíveis ao bom julgamento. Para completar, tem-se o uso inapropriado ou incorreto de expressões latinas, consagradas na linguagem jurídica, mas estropiadas por quem não estudou latim.

Evitemos a terminologia pernóstica, o excesso de reverências ou louvaminhas, tanto nas petições processuais e nas sentenças, quanto nos editais publicados pela imprensa. Veja-se, por exemplo, o início dos editais: “de ordem do Excelentíssimo Senhor Doutor Juiz de Direito...” Ora, para compreender a mensagem e sem desrespeito à autoridade judicial, bastaria: “de ordem do Juiz de Direito ...”

De outro lado, a linguagem polida e o respeito à função judicante não se confunde com salamaleques, expressões de subserviência ou frases ensaboativas, provindas de tradição anacrônica e nitidamente extemporânea. E o que dizer dos termos Suplicante e Suplicado? Resquícios de vassalagem, vindos do tempo da Casa de Suplicação, que os séculos já esqueceram, mas alguns advogados e juizes ainda não. Súplices, portanto, nós lhes pedimos que os esqueçam, também...

Na verdade, o Juiz é homem de seu tempo e, no universo forense ou fora dele, o vocábulo Juiz, identifica uma das mais nobres atribuições conferidas às pessoas na sociedade organizada. Nem por isso - ou por isso mesmo - é necessário ser reverenciado e sempre louvado. O próprio magistrado não deve instalar-se em torre de marfim, onde, alguns deles - poucos felizmente - se recolhem e, até mesmo, não recebem advogados, contrariando normas expressas da Lei da Magistratura e da lei que instituiu o Estatuto da OAB.

Por seu turno, cabe ao advogado dar-se o respeito, mas pelo estudo e pela cultura. Não necessita expressar-se, perante o Judiciário, como se estivesse no templo dos deuses, usando linguagem retórica, quando não subserviente. Ambas as funções são condignas e, assim previstas na Lei, a começar pela regra da Constituição Federal. Aliás, a forma de tratamento tem muito a ver com a segurança psicológica e profissional dos operadores do Direito, cuja atividade deve pairar acima de meras competições e muito além das idiossincrasias individuais.

É tempo, pois, de irmos mudando a linguagem e as formas de tratamento lato sensu, livrando-as de excessos, de entulhos autoritários ou de excrescências histórico-culturais. Ou, ainda, de vaidades que o tempo e a sabedoria encarregam-se de eliminar ou transformar, a bem da qualidade e da utilidade do trabalho jurídico.

É sempre preferível a exposição clara e concisa dos fatos e das teses jurídicas, pois a complexidade da vida moderna e das próprias leis, não mais permite extravagâncias de linguagem, principalmente a serviço da Justiça.

Cabe, a este passo, parafrasear a expressão vinda da história jurídica romana Dat mihi factum, dabo tibi jus e adequá-la à mensagem deste escrito: “Dá-me os fatos” com simplicidade e clareza e “eu te darei o Direito”, com celeridade e justiça...

Nada contra palavras e expressões técnicas, inerentes à cada ciência, mas é tempo de retirar da linguagem forense a adjetivação presunçosa e os odores de baú. Evitemos escrever “vem à presença de Vossa Excelência com o mais inclinado respeito....”. Basta ir à presença ou estar na presença. O advogado tem o dever de postular o direito da parte e o magistrado o dever de prestar a jurisdição requerida.

O respeito não se inclina. É inteiriço. É regra de boa educação. Deve ser firme. Genuíno. Consistente. Inerente à reciprocidade de tratamento. De mais a mais, o respeito se expressa através da qualidade das petições ou das decisões. Aliás, não lembro de ter visto sentença que mencione ser prolatada com “o mais inclinado respeito à parte ou a seu procurador”. A propósito, já afirmou nosso imortal Rui Barbosa: Na missão do advogado também se desenvolve uma espécie de magistratura. As duas se entrelaçam, diversas nas funções, mas idênticas no objeto e na resultante: a Justiça. Com o advogado, justiça militante. Justiça imperante, no magistrado."

Em petições ou sentenças, chega-se, às vezes, ao ridículo, como esta pérola de linguagem de um juiz de Tatuí (SP), felizmente há vários anos atrás: “Declinam estes autos saga de prosaico certame suburbano, em que a destra contrariedade do ofendido logrou frustrar sanhuda venida de um adolescente... Ou esta outra: “Impende aludir ao venerando argumento suso mencionado...”

Com esses comentários e sugestões, desejamos concitar os profissionais do Direito a agir, pensar e escrever na atualidade e para a atualidade, sem prejuízo à qualidade das petições ou à eficácia dos julgados.

Volto, finalmente, ao título deste escrito – que, por si só, revela minha ojeriza à palavra suso - com o significado de antes, acima - utilizada em alguns textos. Ora, data venia já se incorporou à linguagem comum. Tudo bem. Mas suso é intolerável. Até mesmo porque não é de boa prosódia e mais se parece a “tudo” na fala pastosa dos bêbados...





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